quarta-feira, 12 de março de 2008

Em busca da verdade interior (Parte 2)

Que sorte era ter encontrado aquele programa de TV, aquele site e aquele livrinho da irmã... Tudo se ligava perfeitamente! Que maravilha o poder da informação! No programa seguinte, o deputado explicou que o mundo era como um organismo vivo, uma rede, em que cada um influencia o bem-estar dos outros. Mas a conexão só se completa com perfeição se todos estiverem em sintonia interna. O que não acontecia com os viciados em trabalho, que, muito ligados às tarefas externas, deixavam de ouvir seu ritmo natural e desequilibravam a cadeia.

Viu só? Exatamente como a guru do site de sonhos disse, não estou suportando a carga de tarefas que me estão sendo impostas. Preciso me reequilibrar! Sônia foi dormir entusiasmada com a idéia de dar um novo rumo a sua vida. Sonhou, e se viu em uma festa. Estavam lá todas as pessoas que conhecia. De repente, Sônia sentiu-se mal e vomitou em si mesma. Estava empapada, dos pés à cabeça. O estranho é que não havia fedor. Procurava um banheiro para se limpar, mas o único na casa estava ocupado e as pessoas lá dentro se recusavam a sair. Sônia começou a gritar desesperadamente. Acordou sentindo nojo de si mesma.

De qualquer forma, precisaria deixar o nojo de lado e anotar o sonho. Olhou para seu criado mudo e estavam todos lá: o lápis, o bloquinho, o abajur. Também estava o relógio, que marcava 88:88... O quê??? Só podia ser um sinal, e muito assustador! Sentia muito medo quando pegou, tremendo, o relógio em suas mãos. Mas, depois de poucos minutos, chegou à conclusão de que era a bateria que estava fraca mesmo...

Ai, ai, ai, já tinha perdido tempo demais com aquele episódio! Sem se permitir outras distrações, começou a redigir o sonho. Tomou o cuidado de destacar as palavras-chave e as situações mais relevantes, que lhe trouxeram sensações fortes durante o sonho, do jeitinho que ensinava o site. Essas preocupações ‘formais’ acabavam diminuindo a ânsia de vômito que ia e voltava enquanto redigia...

Pronto. E agora? Bom, acho que o primeiro passo é consultar o Dicionário dos Sonhos. “Vomitar, página 412: necessidade de expulsar sentimentos negativos que o acompanham. Quem vomita em sonhos precisa rever suas escolhas.” Isso! Está na hora de botar pra fora todo o estresse que carrego e começar uma vida nova!

A primeira coisa que faria era pedir férias no estágio. Já havia um ano e meio que trabalhava sem descanso. Trocaria também as aulas na academia por treinos de dança de salão, algo mais, digamos, cosmoenergizante. Já era um bom começo. Mas e os números que agora a assombravam? Um dia acorda de um sonho às 02:02, no outro avista um expressivo 88:88 no relógio. Claro, o site. Lá eles saberiam tudo!

“Caríssimos analistas. Os conselhos de vocês mudaram a minha vida. Agora estou em busca de mim mesma! Mas persistem algumas dúvidas. Tenho sido surpreendida com estranhas combinações numéricas em minha vida. 02:02, 88:88. O que isso quer dizer? Sônia”. A resposta: “Sonhar com números é sorte com dinheiro. Ou azar. Cuidado”. Só isso? E tão ambíguo? Bom, o jeito era continuar atenta às mensagens que o sono lhe trazia. O pior é que, com essa história de acordar à noite e perder horas de sono em anotações, Sônia andava sonolenta durante o dia.

Na segunda-feira, acabou sendo pega dormindo em sua mesa, no horário de trabalho. O que seus colegas consideraram alarmante foi que, quando cutucada por um deles, não aceitou parar de dormir, pois isso significaria interromper um sonho maluquíssimo, que, provavelmente, teria um significado excepcional! Só acordou quando viu que sua chefe estava para chegar ao recinto e percebeu o quão ruim seria caso esta a visse dormindo. Não via a hora de as férias que já havia solicitado chegarem. Assim teria mais tempo para sua busca por si mesma.

Sônia definitivamente não conseguia pensar em outra coisa, a não ser em sonhar e descobrir o significado de seus sonhos. Refletia sobre isso o tempo todo, em casa, na faculdade, no trabalho e, até, nos treinos de dança que iniciou. Passava o dia imaginando o que iria sonhar na próxima noite, que estava ainda tão longe. Até que concluiu que não precisava esperar tanto. Começou a dormir em qualquer lugar, a qualquer hora, e explicava aos amigos que essa seria a única forma de encontrar a chave para o seguimento de sua vida.

Essas atitudes de Sônia começaram a preocupar as pessoas à sua volta, principalmente Pedro, que passou a ouvir freqüentemente da namorada conversas atravessadas sobre a relação sexual dos dois. Sônia chegou ao cúmulo de dormir durante uma transa! Questionada pelo namorado, disse que ele devia era agradecer, porque aquela atitude poderia ser a salvação do relacionamento deles. “Salvação? E quem disse que este namoro precisa ser salvo?” – se irritou Pedro – “Tudo bem que o sexo nunca foi grande coisa, mas o amor pede paciência mesmo”. Sônia tomou um susto. Sexo ruim? Que história é essa? Logo ela, que sempre se gabou de seu apetite sexual...

A partir daquele dia, Sônia e Pedro decidiram se separar. Ela achou melhor. Descobriu que seu problema sexual, que agora percebia – os sonhos indicavam desde o começo! –, tinha nome: Pedro. Desta vez, sim, sua vida entraria nos eixos! Como estava de férias do estágio, decidiu também perder algumas aulas na faculdade. Agora mesmo, Sônia está dormindo. Disse aos pais que não poderia ser interrompida, estava entrando em uma definitiva incursão em busca de sua ‘verdade interior’. O engraçado é que ela deixou a televisão ligada. Precisava ir para dentro de si mesma, mas não podia correr o risco de voltar dali a dois dias, e não saber de mais nada à sua volta...

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