quarta-feira, 12 de março de 2008

História de um pedido

Lembro bem, na época de faculdade, quando as amigas chegavam, com os olhos brilhando, para me mostrar a novidade no dedo. Algumas eram de ouro, outras de prata, mas tinham até aquelas feitas de coco. O sorriso? Ah, era sempre largo, sem fim, desses que revelam sintomas de um amor eterno enquanto dure. Eu não. Nunca tive uma paixão que merecesse tudo isso.

Teve o Marcelo, mas com ele foi só beijo na boca. O Léo... Conheci o Léo na praia. Três dias de sexo intenso. Chegou até a sussurrar “deusa” nos meus ouvidos. Nem gosto muito disso, mas, na carência, a gente até acha bom. Grande amor mesmo foi o Gustavo. Pena ele ter casado com a Lu, minha melhor amiga. Após um namoro de quinze anos, tinha que ser o destino deles mesmo.

É. Fato é que eu, aqui, no auge dos 31 anos, naquela fase em que peitos e bunda estão no limite da gravidade, sempre sonhei em ganhar uma aliança. Dessas bem grandes e douradas. Nem faço questão de brilhantes. Assim, mas, se tivesse, melhor. Nem faço questão de ter o nome grafado. Assim, mas, se tivesse, melhor. Nem precisa ter compromisso sério. Mas, se tivesse...

De uns tempos pra cá, cultivo essa mania besta de sonhar acordada. Vejo desde o momento da escolha dos anéis até o constrangedor pedido familiar, que, no meu caso, virá inevitavelmente carregado de: “Oh! Finalmente!”. “Menina, pensei que nem tinha jeito mais, hein?” Ando até experimentando bijuteiras na frente do espelho. Não é que minha mão recebe bem o enfeite?

Mas como meu lado prático ainda fala alto, decidi resolver a questão objetivamente. Se quero o anel, preciso querer o noivo. Encontrá-lo, encantá-lo, convencê-lo de que sou a mulher certa. Mamãe é que dizia: “Homem não tem medo de casamento, tem medo da mulher errada”. Não sei se acredito nessa balela machista, mas vou por ela.

Ontem comprei um caderno e, desde então, esboço planos que me levem ao altar. Fiz a lista dos candidatos em potencial (como é pequena), dos lugares a ir (como são chatos), das roupas a vestir (não tenho nenhuma). Já logo descartei a possibilidade de uma agência... Há que se ter algo de espontâneo nessa novela.

Algo, não tudo. Por anos embarquei na filosofia do “deixar fluir” e cá estou eu, sem ter nem por onde fluir. De forma fria, se fosse um homem, quem seria a mulher certa? Eu, de certo, não. Sheila Carvalho? Ela é só boa. Marília Gabriela? Só inteligente. Talvez Angelina Jolie. Atriz de sucesso, alma caridosa, adota filhos pelo mundo... Fora o corpo escultural, lábios carnudos sem botox (ou com?), olhos azuis e, pra fechar com chave de ouro, esposa de Brad Pitt.

Sem dúvida, ser esposa do Brad valoriza demais o passe dela. “O que é do homem o bicho não come”, diz o ditado. Mas já outro homem... Homem é invejoso, quer o que é do outro, ainda mais quando o outro é o Brad Pitt. Logo imagino o cara contando pros amigos: “Véi, peguei a gostosa da mulher do Brad Pitt”. Tá aí, já entendi tudo.

Olhos azuis resolvo com lentes, sempre quis usar mesmo. Para ter boca grande, batom vermelho. Corpo escultural, basta uma cinta – mamãe usa várias. Carreira de sucesso, pelo menos, eu tenho. Os filhos? Dispenso. Agora, um sexy symbol do lado... Quem sabe o Paulão? Ele tem experiência em teatro, pode encarnar bem o papel.

Sabe que eu nunca tinha notado como sou boa estrategista? Nada melhor para atrair um homem do que aparecer irresistível... E comprometida! Mais uma da sabedoria popular: “a gente gosta é da grama do vizinho”.

A conversa com Paulão foi como eu pensava:
– Putz, Ana, que ridículo! Não acha que está muito grandinha para sair por aí fingindo um namoro?

– Paulão, pensa comigo: você está solteiro, eu também. A gente adora bater papo, sair a dois é melhor do que essa sua mania de sentar sozinho no boteco e ficar namorando a cerveja.

– Já vi que não adianta argumentar. Na verdade, até vou gostar de passar mais tempo com você.

– Sem essa Paulão, não precisa alisar...

– Boba. Negócio fechado.

Ok. Primeira etapa vencida. A segunda, transformar-me na senhora Pitt, seria até divertido, embora caro. Estica o cabelo daqui, coloca lentes dali, maquiagem para realçar os lábios acolá. Hoje à noite será a primeira investida. Marcamos num forró, nada mais sexualmente instigante.

Paulão já estava na porta, todo soltinho com as garotas. Ao me ver, até foi bom ator. Alisou meus cabelos, beijou-me no canto da boca e disse: “Tá linda, amor!”. Entramos. Escuridão total, não era capaz de reconhecer nem o Paulão. Dançamos três xotes. Nada de flerte. Cinco forrós. Tentei requebrar mais. Sete baiões. Adeus, chapinha. Intervalo para a catuaba. Paulão se afastou, a meu pedido desesperado. Quatro xotes. Ninguém se aproximou. Mais música...

Luzes acesas. Havia apenas eu, Paulão, do outro lado da pista, forrozeando, e alguns casais que fingiam ser dança aquela ralação. Sorri. Por dentro, a solidão me arranhava. Solidão lúcida, doída. Travestida de Angelina, tive vergonha de ser eu. Na mão, nem mesmo um toque afetuoso, quem dirá uma aliança, algum dia. Só, cheguei a casa. Sozinha, permaneci. Ao som de Paulo Ricardo, chorei, só. Angelina diminuída a Ana. Antes só do que mal acompanhado? Odeio ditos populares.

Na frente do espelho, sem anel algum no dedo, fico pensando se quero mesmo ter alguém... Dá trabalho demais essa história de construir e perdoar, de todos os dias, de cultivar a relação. E discuti-la, então? Nesse ponto concordo com a turma dos avessos às análises de casal. Além disso, adoro ficar em casa de moletom rasgado e calcinha de vovó. Tá aí, chega de homens!

A partir de agora, serei apenas eu, e está ótimo. Terei mais tempo para a corrida da manhã, ou terei coragem de não correr e deixar a gravidade seguir seu curso? Poderei ler os livros que gosto, ver filmes iranianos sem ter que assistir ao próximo Rambo para compensar... Além disso, terei muito mais dinheiro para minhas viagens, minhas roupas... Viva a solteirice!

Quem sabe assim, vale aquele “quando a gente não está procurando, é que acha!”? Agora, a aliança... Ah, essa vou nesse minuto mesmo comprar, dessas bem grandes e douradas! E se tiver brilhante, melhor! Meu nome grafado atrás! Huum, vai ficar perfeito!

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